Limites do conhecimento humano

Acabo de assistir quase três horas de aula do professor Olavo de Carvalho, na qual ele fala de diversos assuntos -- sendo um deles a epistemologia. Estou escrevendo este artigo pra tentar pelo menos um pouquinho resumir o conteúdo da aula 9, no curso online de filosofia, que foi simplesmente sensacional, e não estou propriamente tentando fazer um adendo ou uma observação.

Olavo tocou no assunto de "compreender a realidade como ela é, com sinceridade, com veracidade e confiabilidade." E citou alguns filósofos que faziam exatamente o contrário disso. Kant e Descartes, por exemplo. Leia o seguinte trecho:
"Existe o narrador que é o autor da confissão, que é o homem que está se confessando, e acima dele existe o observador onisciente. Não tem nenhum “eu transcendental” funcionando como intermediário, não há um “eu” acima do “eu”; o único “eu” que há acima do “eu” é o “Eu” de Deus mesmo."

O que significa o indivíduo ter consciência da sua própria consciência? Trecho:
Eu digo: “Olha! Bela porcaria a consciência que o indivíduo tem da sua consciência.” Primeiro porque ela não é permanente, ela se dissolve, ela se apaga cinco minutos depois; segundo, quando o indivíduo acredita que ela é uma coisa permanente é porque ele está confundindo o seu “eu” verdadeiro, o seu “eu” histórico —  que é o “eu” da narrativa —, com a definição abstrata do “eu” consciente, o “ego filosófico”, isto é, o “eu” do qual se fala nos tratados de teoria do conhecimento. Este “eu” como puro conhecedor, de fato, não existe, ele é apenas um papel que o “eu” histórico, concreto e biográfico do sujeito representa por momentos. E se tal indivíduo acreditar que este “eu” observador tem uma existência por si mesmo, ele está se enganando.

E no que tange ao "caminho" para o conhecimento universal, infinito e perfeito -- o qual afirma que "a humanidade" em termos coletivos vai alcançar a plenitude do conhecimento, leia o trecho:
Essa visão é totalmente alienada, porque a limitação do conhecimento humano é inerente à limitação da vida humana. De que serviria um conhecimento infinito para um ser que tem uma duração finita? Não faz sentido. Outra coisa: quando as pessoas apostam no progresso do conhecimento, no progresso da ciência, e descrevem a estrutura da evolução cultural como se fosse uma caminhada em direção ao conhecimento universal e perfeito, elas esquecem o seguinte: elas vão morrer. Então, quem é esse “nós” que vai ter o conhecimento universal e perfeito? A humanidade não conhece nada, só quem conhece são os indivíduos humanos.

A consideração final em cima da realidade é bastante simples. Aceitar a realidade de tal modo como ela É, e não "buscar compreender" a realidade. Kant, por exemplo, reconhecia que o conhecimento humano era limitado, e ficou com pena disso em vez de aceitar isso. A limitação do conhecimento É INERENTE à limitação humana. Leia o trecho:
A confissão é falar a realidade, é aceitar a condição humana na sua plenitude, em que tudo é precioso, inclusive os detalhes mais irrisórios — os pecados, misérias etc. Tudo isso é precioso, porque é realidade. Uma vez, uma aluna minha, que era muito bonita, chegou e disse: “Olha, estou cansada de ser admirada pela minha beleza, eu quero ser admirada pela minha inteligência, pelos meus conhecimentos etc. etc.”. Eu disse: “Minha filha, isto é vaidade sua. Porque todas estas porcarias que você pensa é você [mesma] que está inventando, ao passo que a sua beleza foi feita por Deus. Se eles admiram você pela sua beleza, estão admirando uma obra divina. Agora, você quer concorrer com Deus, falar que o que Deus fez não presta, ‘o bom é o que eu inventei’. Então você pare com isso. Quando você olhar no espelho de manhã, peça a Deus que lhe dê uma personalidade pelo menos digna desta beleza. É ao contrário: a beleza que tem que servir de guia, porque ela é um dado da realidade, ela não é um pensamento seu.”

Agostinho de Hipona tinha um método o qual o Olavo menciona como "cavar onde está." O método consiste justamente em ADMITIR a estrutura da realidade tal como ela É, de fato. E a cada vez que "cavamos onde estamos" estaríamos, de alguma forma, ficamos sabendo de algo mais por conta do Observador Onisciente (que seria Deus). Não se deve FUGIR ou NEGAR a realidade. Não se deve se esquecer da realidade também. Leia o trecho -- um tanto longo -- sobre o Olavo tratando do descaso e bizarrice sobre determinismo e livre-arbítrio:
Eles não estão brincando, eles estão fazendo uma coisa verdadeira que os instalam na realidade de suas próprias vidas. Note que a aquisição de estudo, leitura, erudição etc., é separada disso [que é feito por Santo Agostinho e São Paulo Apóstolo], ela se torna uma doença, uma forma de loucura, onde você não se interessa mais pela realidade, mas só se interessa por enigmas lógicos que você mesmo inventou ou que copiou de outras pessoas. Eu vou dar um exemplo para vocês: essa questão que as pessoas vivem levantando do determinismo e livre-arbítrio.

Então, o determinismo e o livre-arbítrio, das duas, uma: se você tem de escolher um deles é porque você os está tomando como absolutos, ou seja, é o livre-arbítrio total ou o determinismo total. Ora, se esses conceitos são absolutos, eles só podem se aplicar a seres que têm esta dimensão absoluta. Então, perguntemos: existe determinismo e livre-arbítrio em Deus? No infinito? Deus pode ser livre ou pré-deteminado? Bom, por um lado, podemos dizer que Ele já sabe tudo o que vai acontecer e tudo o que Ele vai fazer, pois Ele é onisciente e, portanto, Ele já sabe tudo. Assim, poderíamos dizer que Ele está pré-determinado. Porém, eu pergunto: Ele está pré-determinado por quem? Se nada o pré-determinou, Ele não pode estar pré-determinado! Não é porque Ele decidiu fazer tal ou qual coisa, que você pode dizer que Ele está pré-determinado. Ele não está pré-determinado, [mas] determinado, Ele está decidido. Por outro lado, Deus pode ser livre? Eu pergunto: livre do quê? Existe um elemento externo que possa coagí-Lo? Não! Então, Ele não pode nem ser prisioneiro nem livre, isto é, esses conceitos não se aplicam. Assim, de cara, excluímos esta dimensão. Conceitos de determinismo e livre-arbítrio não se aplicam a Deus e, portanto, não podem ser tratados nesse nível.

Tentemos agora aplicá-los aos seres humanos. Vejamos se um determinismo absoluto ou uma liberdade absoluta podem ser concebidas em função da realidade dos seres humanos, tal como ela se apresenta na nossa experiência. Se eu tivesse uma liberdade absoluta, eu faria o que eu bem entendesse e nada poderia me limitar, ou seja, os seres em volta estariam todos prédeterminados por mim. Então, a minha liberdade absoluta traria o determinismo para todos os outros — estariam todos ferrados. Se existe um ser humano absolutamente livre, ele é o único. Não pode haver dois seres humanos livres. Portanto, o conceito de liberdade absoluta está fora de cogitação. Se, por outro lado, eu estivesse totalmente pré-determinado, os meus pensamentos também estariam pré-determinados e não haveria possibilidade de eu me colocar alternativas; se eu estou pré-determinado, os meus conhecimentos também estão prédeterminados desde já, e eu tenho em mim o conjunto de todas as pré-determinações que me definem. Portanto, eu tenho de tê-las não somente no meu ser, mas também no meu conhecimento. Então, se eu fosse totalmente pré-determinado, eu não poderia colocar esta questão.

Compreende aonde Olavo quer chegar com isso? O que importa é a realidade de tal modo como ela é, e não essas questões superficiais. E somos ensinados nas escolas, as vezes até mesmo lemos a respeito desse tipo de pegadinha, que nos faz FUGIR da REALIDADE, que são "problemas da realidade" e que devem ser resolvidos.

Tem outra coisa muito valiosa que o Olavo mencionou no final da aula com a dúvida de um aluno. O aluno disse que queria afastar os filhos dele dos demais "veículos de comunicação" que disseminam essas adversidades, porcarias, lixos. Olavo conclui que não é necessário fazer isso. Não é necessário fugir da porcaria, do lixo, da maldade. Veja:
Ninguém pode dar o que não tem. Nós não podemos nos retirar para o plano da suprema beatitude do entendimento, então não podemos — em hipótese alguma! — evitar a contaminação no besteirol contemporâneo, na decadência contemporânea, na sujeira contemporânea. E só o que devemos fazer é confessar permanentemente esse estado de degradação. Cada vez que se confessa, Deus abre uma portinha para você melhorar um pouco. Na verdade, é só isso. Eu conheço pessoas que, por exemplo, proíbem os seus filhos de ver televisão, e que pretendem manter os seus filhos numa redoma de pureza; só o que elas fazem é tornar esses filhos indefesos perante este mundo. Nós não podemos fugir da experiência humana — experiência do mal, do pecado etc. O próprio Cristo fala: “Não resistais ao mal” — veja que coisa importante. Você vai se contaminar no mal e não é você que vai se limpar se mantendo dentro de uma redoma, [mas] é Deus que vai limpar você. E ele vai limpar você quando? Quando você se confessar. Eu não estou falando necessariamente da confissão ritual, porque a confissão ritual... só se o sujeito se confessar cinco, seis, sete, oito vezes por dia, e tiver um padre em casa para fazer tal coisa — isso não é possível.

Achei muito interessante a colocação que ele faz de Mateus 5:39 "Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso." A conclusão final foi uma das lições mais fortes e urgentes que eu precisava, e acredito verdadeiramente que isso pode se aplicar nas mais diversas situações cotidianas que vemos por aí. Leia o último trecho:
Eu, por mim, fico horrorizado com as pessoas que tentam preservar os seus filhos cem por cento. Você não deve misturar-se às pessoas que estão profundamente corruptas, mas isso não quer dizer que você deva fugir delas. Você não deve misturar-se interiormente, mas você vive na mesma sociedade com elas, e tampouco estará totalmente livre da contaminação delas. Ora, você preserva-se de toda sujeira de modo a não precisar jamais tomar banho? Não. Diariamente você se suja e toma banho. Na esfera psíquica, é a mesma coisa. Diariamente, fazemos um monte de porcarias, contaminamo-nos com o mal do mundo e daí vamos para dentro de nós mesmos, repensamos tudo aquilo e confessamos para Deus. Pronto! Ficamos limpos! A sinceridade é a base de tudo isso.

Não consegui resumir mais curto do que isso, pois o conteúdo da aula é muito extenso. Porém, achei de extrema relevância documentar aqui no meu blog e indicar FORTEMENTE que comecem esse curso do professor Olavo, pois trás perspectivas as quais você jamais imaginaria que seriam possíveis obter. A conclusão com este artigo, que seria mais como um bloco de notas e não um artigo propriamente filosófico e investigativo, um adendo, ou qualquer coisa da minha parte, seria de que a percepção da realidade como um todo não nos é possível. Tentar "entender a realidade" vai fazer com que você perceba que não vai entender. Existe um limite intransponível, e esse limite não é algo a ser vencido mas a ser aceito, como dito pelo próprio Olavo.

A frase de Sócrates "Só sei que nada sei" nunca fez tão sentido.

Admitir os limites do conhecimento humano não o torna burro, mas o torna humilde. E a grande sacada pra evitar se torturar com grandes problemas filosóficos é justamente esse: admitir que não sabe (e que não tem como saber) e pronto. Simples.

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