A luxúria é o pecado mais difícil de ser vencido.
A maioria dos pecados capitais, quando analisados, parece representar um desvio ou um excesso de ações e sentimentos inerentemente humanos e, em certa medida, inofensivos. A gula é o consumo desmedido, não a alimentação em si; a ira se manifesta quando a indignação justa se torna um sentimento incontrolável; a inveja, em sua forma pervertida, é a cobiça que nasce da admiração. Da mesma forma, a avareza distorce a natural busca por segurança financeira, o orgulho corrompe a autoconfiança e a preguiça anula a necessidade de descanso. Para cada um desses pecados, parece haver uma linha tênue, um ponto de equilíbrio que permite a ação sem a transgressão.
No entanto, a luxúria surge como a única exceção a essa regra. Enquanto a concupiscência — o desejo carnal — pode ser vista como algo natural e inevitável, a tradição religiosa a enquadra como um pecado que não possui um meio-termo aceitável.
Imagine uma jornada. Você se inspira em alguém que possui algo que você admira, como uma habilidade, mas sem desejar tomá-la para si — um sentimento que não se configura como inveja. No processo de aprendizado, a frustração pode vir, gerando um momento de raiva justa contra as dificuldades, e não contra o mundo ou a si mesmo — um sentimento que não se configura como ira. Ao dominar a habilidade, você reconhece suas qualidades com humildade, evitando o caminho do orgulho. Com seu novo talento, você ganha dinheiro suficiente para seu conforto e bem-estar, sem idolatrar o dinheiro ou se tornar escravo dele — uma ação que não se configura como avareza. Em um dia de folga, você saboreia um hambúrguer delicioso em uma refeição agradável e come o suficiente para se sentir satisfeito, sem cair na gula. Depois, você relaxa em sua rede e desfruta de um merecido descanso, sem se render à preguiça.
Todos esses pecados, com suas nuances e graduações, se manifestam como excessos. O desejo ou a ação, em sua forma equilibrada, não são considerados transgressões. No entanto, quando se trata da luxúria, a linha tênue desaparece. Não há um "pouquinho" de luxúria, não há um meio-termo aceitável. A biologia humana pode implorar por essa ação, mas, de acordo com as restrições religiosas, o caminho para o pecado é direto e sem desvios.
A biologia humana quase exige a satisfação desse desejo, e a inclinação para ceder a ele nos faz questionar a própria ideia de lutar contra a nossa natureza. A orientação da igreja para "canalizar essa energia para a virtude" soa como um eufemismo para a negação do desejo, um ato de sofrimento voluntário. A abstinência sexual é, de fato, dolorosa e frustrante. Mesmo na infância, sem nunca ter tido acesso a pornografia, a descoberta do prazer individual através da fricção com as roupas é um ato instintivo e, aparentemente, inofensivo ao corpo. Ainda assim, a igreja estabelece uma condição extremamente específica para o sexo: ele só é permitido no casamento e com o propósito de procriação. Qualquer desvio dessa norma é considerado pecado.
Sim, dei muita ênfase em "qualquer" pois é o que é. Essa rigidez, por ir contra uma pulsão biológica tão forte e quase fundamental, me leva a considerar hoje a luxúria o mais difícil dos pecados a ser vencido. É tudo ou nada. É celibato ou pecado. Mesmo dentro do ordenamento dado pela igreja, que seria o casamento, existem regras específicas para o sexo.
A luta contra os desejos e a concupiscência parece mais fácil para aqueles que, por acaso ou natureza, não precisam lidar com as tentações biológicas de forma tão intensa. A ausência de um "pau funcional", como você coloca, pode significar menos esforço para evitar o endurecimento do coração.
Há anos, escrevi sobre meu afastamento da igreja e, hoje, percebo que muito de minha frustração vinha da expectativa de carregar a cruz sem poder falhar, de que cada tropeço custaria a salvação. Atualmente, entendo que essa luta não tem uma linha de chegada. É uma jornada contínua que depende da nossa relação com Deus.
Felizmente, alguns pecados perdem seu "prazer" com o tempo, tornando mais fácil abandoná-los e focar no que realmente importa. A maturidade espiritual nos guia para nos inclinar à virtude e afastar de certos pecados de estimação. Mas a verdade é que nem todos têm o privilégio de contar com esse tempo para amadurecer. E infelizmente, não é todos os dias que se acorda com o desejo de ler o catecismo e rezar o rosário. Sejamos francos.
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